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Carne de porco, do preconceito ao sucesso em bares e restaurantes de Manaus

Melhoria do plantel, condições sanitárias e alimentação, além da criatiividade dos chefes, fez a carne de porco ganhar o paladar do consumidor amazonense
Carne de porco, do preconceito ao sucesso em bares e restaurantes de Manaus

Joelho de porco assado e linguiça de porco, pratos tradicionais da culinária alemã ganham adeptos em Manaus. (Reprodução)

“Pesada, gordurosa, suja, contaminada, do demônio”. Esses são alguns adjetivos e expressões usadas durante décadas para a população evitar comer a carne de porco. Ocorre que nos últimos anos, com a melhoria dos plantéis e o desenvolvimento de raças nobres, como a Duroc, a proteína de porco passou por uma reabilitação gastronômica sem igual, conquistando novos consumidores e aparecendo em cardápios de restaurantes premiados mundialmente.

No Amazonas o fenômeno ganhou fôlego nos últimos 25 anos, muito embora o sanduíche de pernil de porco do bar do Armando e do Jangadeiro, tradicionais redutos da boêmia cabocla de Manaus, nunca tenha saído de moda.

A Cachaçaria do Dedé, na virada dos anos 90 para 2000, deu o pontapé inicial ao introduzir no cardápio o joelho de porco assado, um tradicional prato da gastronomia alemã, o Einsbein Gekocht. Até hoje é um sucesso absoluto na casa, conhecida por agradar um público adulto de elite.

O bar e restaurante Frankfurt também inseriu a carne de porco no cardápio com seus pratos a base de linguiça branca (Bratwurst), que conquistou um público mais jovem e descolado ao ser servido com chucrute (repolho fermentado). Uma delícia!

No atual momento, a sensação são os pratos da A Porcaria Boteco, do empresário Jean Fabrízio e do chefe Menga Rolla. O local é dedicado apenas a pratos a base de carne de porco, cuja procedência é acompanhada com lupa pelos empresários.

Na casa tem de pratos tradicionais, como a própria feijoada e costelinha assada; mas cabe uma boa dose de experimentações, como o Tomahawk de porco e o gin saborizado de bacon. Sobre esse “boom” da carne suína, Fabrizio atribui a melhoria dos animais, hoje mais saudáveis e que ganharam o mercado mundial, mas também ao trabalho de chefes como Jefferson Rueda, do restaurante A Casa do Porco, de São Paulo, e um dos cinco melhores do guia 50 Best.

Também nessa mesma balada de valorização da carne suína, o restaurante O Boteco, que o grupo Engenho espalha pelos principais shoppings de Manaus, dedica as sextas-feira um cardápio self-service com a maior variedade de pratos a base de porco possível. Para o empresário Rogério Perdiz, a qualidade e a criatividade dos chefes têm sido essenciaisl para a popularização de uma proteína que foi estigmatizada por muito tempo.


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Trabalho de Jefferson Rueda com porcos foi essencial

Neste trabalho de popularização do porco, Jefferson Rueda promove há dez anos o Porco Mundi, um festival que reúne chefes de cozinha de todo o Brasil para a produção de pratos a base deste único insumo. Neste ano, o Porco Mundi reuniu 40 chefes de todas as regiões brasileiras para a produção de 35 diferentes tipos de receitas, que foram da entrada, passou pelo prato principal e chegou a sobremesa e os drinks.

Em outra frente, a mudança de percepção no consumo da carne de porco começou silenciosamente, impulsionada por melhorias significativas na cadeia de produção da suinocultura nacional. A partir dos anos 2000, avanços em genética, manejo sanitário e alimentação animal transformaram a carne de porco em um produto mais magro, seguro e de melhor qualidade. Hoje, cortes como o carré, a pancetta e a costelinha são apresentados com orgulho por chefes renomados, que exploram suas possibilidades em pratos criativos e bem executados.

O fenômeno não é apenas técnico, mas também cultural. O resgate de receitas tradicionais e o movimento de valorização da cozinha regional brasileira contribuíram para o retorno da carne suína aos holofotes. Pratos como a feijoada, o pernil assado e o torresmo — outrora vistos com certo desdém — passaram a ser reinterpretados com técnicas contemporâneas, ganhando espaço até em menus degustação de casas premiadas.

Jefferson Rueda aqui também deu sua contribuição com o resgate do porco San Zé, uma receita típica da região dele, em São José do Rio Pardo, interior de São Paulo, que consiste em assar o porco inteiro, desossado, por mais de seis horas e servi-lo com a pele “pururucada” e a carne desmanchando na boca

Preço da carne bovina impulsionou novo mercado

Outro fator decisivo foi o apelo econômico. Com a alta nos preços da carne bovina nos últimos anos, muitos restaurantes viram na carne suína uma alternativa saborosa e mais acessível. Isso não só ampliou o consumo, mas também levou o público a redescobrir os sabores e a versatilidade dessa proteína.

A costela suína, por exemplo, virou protagonista em hamburguerias, botecos e churrascarias. Já o lombo defumado e o porco desfiado (pulled pork) ganharam status em food trucks e festivais gastronômicos.

A aceitação também é visível nos números. Dados recentes da Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS) apontam um crescimento constante no consumo per capita de carne suína no Brasil, que hoje ultrapassa os 18 kg anuais — ainda atrás da carne bovina e do frango, mas com um avanço expressivo em relação à década anterior. No Amazonas fica bem longe do consumo per capita de peixes, que chega a impressionantes 200 quilos ao ano.

Essa nova era da carne de porco revela mais do que uma tendência culinária: é um reflexo das transformações no modo como comemos, nos relacionamos com a comida e valorizamos a origem dos ingredientes. O porco, antes vilão, hoje é celebrado por seu sabor, textura e história. E ao que tudo indica, veio para ficar.