Conheça três direitos trabalhistas que o empregador não conta, mas estão na lei

Carteira de Trabalho (Foto: Divulgação)
Desde 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) tem sido o principal mecanismo para regular as relações entre empregadores e funcionários no Brasil. Embora seja frequentemente debatida e reformulada, a lei brasileira ainda contém dispositivos que passam despercebidos pela maioria dos trabalhadores.
Direitos básicos, mas que podem impactar o dia a dia profissional, ainda são pouco divulgados, o que contribui para casos de abuso e desinformação. A nova CLT, estabelecida pela Lei 13.467/17, inclui diversas mudanças que alguns consideram necessárias, enquanto outros veem como retrocessos nos direitos trabalhistas.
Em entrevista exclusiva à Rede Onda Digital, Consuelo Pinheiro Farias, advogada e professora de Direito do Trabalho com registro na OAB-AM, ressaltou que a falta de conhecimento continua sendo um dos principais entraves para a realização da justiça social estabelecida na CLT.
“A informação é uma ferramenta de proteção. Muitos direitos não são aplicados simplesmente porque o trabalhador não sabe que pode exigir. Conhecer a lei é a melhor forma de equilibrar a relação com o empregador”, explicou.

Segundo a especialista, as reformas trabalhistas recentes — que trouxeram mudanças em temas como jornada, banco de horas, teletrabalho e prevalência do negociado sobre o legislado — tornaram ainda mais urgente que o trabalhador compreenda seus direitos.
“Trata-se de um contexto de adaptações constantes. E quem não acompanha corre o risco de perder benefícios garantidos”, acrescenta.
A especialista destaca três situações que podem fazer diferença na vida profissional e até pessoal de qualquer empregado.
Direito a se ausentar para exames preventivos de câncer
A legislação trabalhista garante ao trabalhador o direito de se ausentar do serviço por até três dias ao ano, sem prejuízo do salário, para a realização de exames preventivos de câncer (art. 473, XII, da CLT). Esse direito foi incluído em 2018, como uma forma de incentivar a detecção precoce da doença.
Na prática, isso significa que a funcionária que precisa realizar a mamografia anual pode agendar o exame em horário de trabalho sem medo de desconto na folha. O mesmo vale para homens que fazem o exame de próstata ou colonoscopia, desde que seja comprovado que se trata de exame preventivo. Basta apresentar a declaração do médico ou da clínica.
Segundo a professora Consuelo, o efeito desse dispositivo ultrapassa o âmbito laboral. Reservar tempo para a prevenção é uma maneira de reconhecer o trabalhador como ser humano, pois a saúde deve prevalecer sobre qualquer questão produtiva.
“É um direito pouco divulgado, extremamente importante, raramente exercido. Ele garante que a rotina de trabalho não seja um obstáculo à prevenção, ajudando a salvar vidas e promovendo uma cultura de cuidado com a saúde”, avalia.
Redução da jornada durante o aviso prévio

Esse é um dos direitos mais desconhecidos: quando o trabalhador é dispensado sem justa causa e precisa cumprir aviso prévio. Conforme o artigo 488 da CLT, o empregado tem a opção de reduzir sua carga horária em duas horas diárias ou deixar de trabalhar nos últimos sete dias, sem que haja redução salarial.
Exemplo: João, após ser demitido, precisa cumprir 30 dias de aviso prévio. Ele pode optar por sair do serviço duas horas mais cedo todos os dias, aproveitando esse tempo para participar de entrevistas e buscar recolocação. Outra alternativa é cumprir 23 dias normalmente e ser liberado na última semana.
Importante
Esse direito não se aplica quando é o próprio empregado quem pede demissão. Nesse caso, o aviso prévio deve ser trabalhado integralmente, salvo se houver acordo diferente com a empresa.
“Trata-se de um direito que visa proteger o trabalhador em um momento de fragilidade, quando ele precisa procurar uma nova oportunidade”, explica a especialista.
Ação de rescisão indireta
Se existe a “justa causa” aplicada ao trabalhador que comete uma falta grave, há também a “justa causa do empregador”, chamada de rescisão indireta (art. 483 da CLT). É um direito pouco falado, mas poderoso. Ele pode ser usado quando a empresa comete irregularidades sérias, como atrasar salários de forma recorrente, exigir atividades ilícitas, assediar moralmente o empregado ou expô-lo a condições degradantes de trabalho.
Exemplo prático: Maria trabalha em um restaurante que constantemente atrasa os salários por mais de dois meses. Diante dessa situação, ela pode acionar a Justiça do Trabalho pedindo a rescisão indireta. Se o juiz reconhecer a falta grave do empregador, Maria terá direito a todos os benefícios de uma demissão sem justa causa: aviso prévio indenizado, saque do FGTS com multa de 40% e seguro-desemprego, além de eventuais indenizações adicionais, se couberem.
Outro exemplo comum ocorre em empresas que expõem seus empregados a riscos sem fornecer equipamentos de proteção adequados. O trabalhador não precisa se demitir e perder seus direitos: ele pode requerer judicialmente a rescisão indireta, responsabilizando o empregador pelas condições ilegais.

Na prática, a rescisão indireta assegura ao empregado todos os direitos de uma demissão sem justa causa. A professora Consuelo ressalta que muitos funcionários ainda pensam que precisam pedir demissão para deixar o ambiente de trabalho.
“O trabalhador não deve aceitar condições abusivas. Caso haja atraso no pagamento, humilhação ou exposição a riscos, ele pode recorrer à Justiça do Trabalho e solicitar a rescisão indireta. Isso coloca a responsabilidade no empregador, que será obrigado a cumprir todos os direitos devidos”, afirma.
Situações como essa destacam a importância do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho, que podem ser chamados para intervir ou resolver casos em que a lei é claramente violada. Além desses três direitos, a lei brasileira assegura outras garantias pouco conhecidas, como o direito à estabilidade após um acidente de trabalho, a exigência de intervalos especiais para quem trabalha em condições insalubres e a licença para acompanhar filhos em consultas médicas.
Informação como instrumento de proteção
A informação pode ser a chave para evitar abusos e garantir que a relação de trabalho seja mais justa e equilibrada. Consuelo Pinheiro Farias acredita que a conscientização deve ser constante.
“É sempre recomendável que o trabalhador consulte um advogado especializado em Direito do Trabalho antes de tomar qualquer decisão. Só um profissional poderá avaliar o caso concreto, orientar sobre provas necessárias e indicar o melhor caminho para que cada direito seja efetivamente respeitado”, orienta.
A docente do Ensino Superior no âmbito do Direito também compartilha os seus conhecimentos no Nosso Direito de Saber, voltado para aprovações em concursos públicos e em exames da OAB.
