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Gastronomia afetiva: comidinhas saborosas que remetem a colo de vó ou a falta de dinheiro no bolso

Chefes e empresários intuíram que há um público disposto a pagar caro por um prato que remonta as dificuldades financeiras da infância
01/11/25 às 11:00h
Gastronomia afetiva: comidinhas saborosas que remetem a colo de vó ou a falta de dinheiro no bolso

(Foto: Reprodução)

Um dos novos ramos de estudo da Gastronomia Mundial faz uma espécie de Antropologia dos alimentos que nos afetam emocionalmente e remetem a sentimentos, tempo e espaços geográficos determinados. Para esse novo campo, os chefes de cozinha costumam se referir como “Gastronomia Afetiva”.

A Gastronomia Afetiva associa o ato de comer à memória e às relações humanas. O conceito parte da ideia de que a comida pode ativar lembranças e sentimentos ligados à infância, à família ou a experiências marcantes e mesmo territorialidades.

Essa abordagem tem ganhado espaço em diferentes contextos, da cozinha doméstica à produção profissional, e valoriza o vínculo entre o alimento e a identidade cultural de quem o prepara e consome.


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Afetos que remontam dificuldades e laços gregários

No Amazonas, a gastronomia afetiva se manifesta em receitas que preservam modos tradicionais de preparo e ingredientes regionais. O peixe assado na folha de bananeira, o mingau de banana pacovã, o tacacá e a tapioca de goma consumidos no fim da tarde são exemplos de pratos que mantêm vínculos com o cotidiano ribeirinho e com a nossa herança indígena.

Em Manaus, restaurantes e cozinheiros têm incorporado esse conceito ao reinterpretar alimentos ligados à memória local, como o tambaqui, o açaí de verdade do interior, o cuscuz com manteiga e o café coado no pano.

Iniciativas como feiras gastronômicas, projetos comunitários e eventos culinários também vêm utilizando a gastronomia afetiva como forma de reforçar o pertencimento cultural e valorizar o saber das cozinheiras tradicionais.

A gastronomia afetiva, nesse contexto, atua como instrumento de preservação da cultura alimentar amazônica e de transmissão de conhecimento entre gerações.

“A gastronomia afetiva tem essa capacidade de nos levar para outros lugares ou tempos. Dê um quilo de farinha do uarini para um amazonense que está há um ano estudando ou trabalhando na Europa! Na primeira garfada ele se transporta direto para o mercado grande (Adolpho Lisboa), vai sentir cheiro de pessoas, lembrar rostos, ouvir vozes numa cozinha imaginária de um jantar de domingo em casa”, brinca a gastróloga Cláudia Silva, ressaltando essa capacidade que um prato de comida ou um insumo querido tem de afetar o homem.

Embora seja muito identificada com um alimento que remonta a um tempo bom, de carinho, de comidinha de mãe, até mesmo de avó, um prato da gastronomia afetiva pode remeter a tempos difíceis que foram superados com grande dificuldades e lutas de pais e mães, que muitas vezes só tinham dinheiro para oferecer um determinado tipo de alimento as suas famílias.

E foi em busca deste consumidor, que tem orgulho da superação econômica própria ou da família, mas não esquece o que passou dividindo com pais, mães e irmãos um prato menos sofisticados, que muitos chefes e empresários intuíram as possibilidades gastronômicas de fazer “arte culinária” com sardinha em latas, salsichas e ovo, mas principalmente carne em conserva, um clássico das famílias menos abastadas do século passado.

A sacada dos chefes e empresários é ainda mais brilhante porque eles conseguiram inserir pratos assim em cardápios que não são baratos e que encontram pessoas dispostas já com a vida financeira estabilizada a pagar por essa experiência dos tempos de dificuldades.

É assim, por exemplo, no bar Ferrugem Rock Gourmet, onde uma farofa de conserva é um dos carros chefes em dias de casa lotada e com música ao vivo. O Ferrugem, aliás, foi um dos primeiros estabelecimentos de alimentos e bebidas a apostar na gastronomia afetiva, com seu prato premiado de língua bovina. Na casa, uma farofa de conserva custa quase R$ 40,00.

Outro bar da moda, que é frequentado pela elite política e intelectual de Manaus, o Bar Rigudos, no Eldorado, também oferece a farofinha de conserva, prato que também conquista a clientela que um dia já viveu a dureza da luta em família.

E você, qual comida lhe remete a esses tempos?

(Foto: Reprodução/bar do Caldeira)

 

Confira agora uma receita de farofa de conserva de carne bovina:

Ingredientes:

1 – Uma lata de conserva de carne;

2 – Uma cebola cortada em juliene (lascas finas)

3 – Um tomate em brunoise (cubinhos finos)

4 – Alho inteiro

5 – Sal, quanto bastar

6 – Farinha, quanto bastar

7 – Fio de azeite

8 – Cheiro verde

Modo de Preparo

1 – Numa panela previamente aquecida coloque o azeite e na sequência o alho inteiro. Quando começar a exalar o cheiro, retire o alho da panela, pois ele já saborizou o azeite.

2 – Refogue a cebola até ela ganhar uma cor clara, quase translúcida. Neste momento acrescente o tomate.

3 – Com tudo refogado, é a hora de entrar com a carne em conserva para fritar.

4 – Acrescente a farinha, mexa bem até misturar tudo. Opcionalmente, coloque meia colher de manteiga gelada para dar o “siricotico” ou o “borogodó”.

5 – Corte o cheiro verde em pedações pequenos (concassé) e salpique sobre a farofa.

6 – Toque gourmet: se tiver por perto, acrescente um pouco de pimenta baniwa, produzida por indígenas do Alto Rio Negro, para dar a picância na boca.