Caça de animais silvestres supriu metade das necessidades de proteínas de populações amazônicas

Um dos animais mais caçados na Amazônia, paca garante suprimento de proteínas para populações ribeirinhas e indígenas
Uma pesquisa realizada na Amazônia Internacional publicada na revista Nature mostrou que a carne de animais silvestres, caçados nos últimos 60 anos, foi responsável por suprir quase metade das necessidades diárias de proteína alimentar e ferro dos 11 milhões de habitantes das áreas rurais da Amazônia, além de uma parcela significativa de vitaminas do complexo B e zinco, nutrientes fundamentais para a saúde humana.
O estudo, que envolveu pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), mostrou uma diversidade surpreendente de animais silvestres consumidos pelas populações indígenas e ribeirinhas da região. Ao todo, 490 espécies foram caçadas, com predomínio de 20 grupos de animais que respondem por 72% dos indivíduos caçados.
O animal preferido dos caçadores da Amazônia é a paca, seguida pelo porco queixada e a anta. A pesquisa coletou e analisou dados de quase 60 anos – entre 1965 e 2024 – em 625 localidades e estimou que as carnes de mamíferos, aves, répteis e anfíbios foram as preferidas dos caçadores para abastecer as comunidades.

O ecólogo da Rede de Pesquisa em Conservação, Uso e Manejo da Fauna da Amazônia (RedeFauna), André Antunes, afirma que a caça tradicional na Amazônia é moldada por conhecimentos, regras e práticas culturais que regulam o uso da fauna há milênios.
“Proteger a Amazônia é vital não apenas para conservar a biodiversidade, mas para garantir a saúde, o bem-estar, a segurança alimentar e nutricional, a soberania e a continuidade dos modos de vida de milhões de habitantes rurais”, ressalta Antunes, que é egresso do curso de Doutorado do Inpa e assina o artigo da Nature junto com outros 58 pesquisadores.

O trabalho contou com a coparticipação de pesquisadores indígenas de dez povos de toda a Amazônia – Surui, Paumari, Katukina, Baniwa, Waurá, Apurinã, Tikuna, Kaxinawá, Kuikuro e Kaixana, além de extrativistas.

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Desmatamento ameaça segurança alimentar das populações
Os autores afirmam que uma “riqueza invisível sustenta a segurança nutricional dos povos da Amazônia”, bioma com 8 milhões de quilômetros quadrados (km²). Por ano, são extraídas da Amazônia mais de meio milhão de toneladas de biomassa animal (indivíduo inteiro), o que corresponde a 0,37 milhão de toneladas de carne silvestre efetivamente comestível. Em comparação com os preços atuais da carne bovina, a produção teria um valor econômico aproximado de US$ 2,2 bilhões ao ano.
O estudo aponta que na Amazônia existem mais de 2 milhões de caçadores indígenas e tradicionais, quase 20% dos povos amazônicos, populações que dependem da caça, pesca, coleta, agricultura itinerante e da criação de animais domésticos.
Das 490 espécies da fauna silvestre caçada e consumida na Amazônia, 175 são mamíferos, 264 aves, 40 répteis e 11 anfíbios, agrupados em 174 grupos de animais, que representam aproximadamente 10% dos 4.788 tetrápodes conhecidos na Amazônia.
O desmatamento, no entanto, representa uma ameaça direta aos sistemas alimentares. Em áreas com mais de 70% de floresta perdida, que corresponde a cerca de 500 mil km², houve uma redução de 67% na quantidade de animais e na produtividade da carne.
Nas regiões degradadas, espécies mais generalistas, como tatus, capivaras e pombas, são mais caçadas, principalmente próximo de centros urbanos, onde a demanda por proteína animal é maior. Em contraste com as espécies especialistas, que dependem de habitats ou alimentos específicos, as generalistas conseguem se adaptar à degradação e fragmentação de habitats.






