Celeiros de votos colocam regiões no foco dos governos, mas mantêm dinastias no poder

Foto: Divulgação
A configuração eleitoral do Amazonas é marcada por verdadeiros celeiros de votos, onde políticos tradicionais, integrantes de várias gerações de uma mesma família, além de grupos religiosos e empresariais, concentram sua busca por eleitores que lhes garantem acesso ao poder, seja na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) ou no Congresso Nacional.
O mais famoso e fiel desses celeiros está localizado na região do Alto Solimões, que reúne nove municípios: Amaturá, Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Fonte Boa, Jutaí, Santo Antônio do Içá, São Paulo de Olivença, Tabatinga e Tonantins. O eleitorado dessa região elege, desde o fim do século XIX, sucessivas gerações da família Lins de Albuquerque.
Quem inaugurou essa dinastia foi o deputado José de Jesus Lins de Albuquerque, tio do atual deputado federal Átila Lins (PSD), do ex-deputado Belarmino Lins, o Belão, e tio-avô do deputado George Lins. A força desse celeiro permitiu, por exemplo, que Belão, ao se aposentar da política, transferisse sua base eleitoral para o filho, George, que nunca havia disputado uma eleição.
De formação mais recente, o celeiro do Médio Solimões se consolidou no início deste século e é composto pelos municípios de Tefé, Coari, Codajás, Manacapuru, Anamã, Anori, Beruri, Maraã e Caapiranga. Dessa região vem a força da família Pinheiro, que construiu a base política do prefeito de Coari, Adail Pinheiro, e de outros integrantes do clã, como Adail Filho (deputado federal), Doutora Mayara (deputada estadual) e Keitton Pinheiro (ex-prefeito).
Nas últimas eleições estaduais, os Pinheiro se uniram à família Abrahim, que domina atualmente o celeiro de Itacoatiara, segundo maior colégio eleitoral do Estado. No município, o ex-prefeito Chibly Abrahim consolidou uma base de votos que sempre o destacou na política amazonense.
Após duas décadas fora do poder, os Abrahim retornaram à cena com a vitória de Mário Abrahim para a prefeitura em 2018. Ele se reelegeu e, em 2022, com a aliança firmada com os Pinheiro, conseguiu eleger o filho, Thiago, para a Aleam. Reportagens da época destacaram que os dois clãs atuaram juntos, pedindo votos em seus respectivos celeiros e evitando abrir espaço para outros candidatos.
A calha do rio Purus, composta por Lábrea, Canutama, Tapauá, Pauini, Boca do Acre e Beruri, segue uma lógica semelhante e abriga o celeiro de votos da família Afonso, que domina a região desde o século XIX, quando Pauini elegeu o primeiro prefeito do clã.
O maior representante atual desse grupo é o deputado estadual Adjuto Afonso (União Brasil), que neste ano chegou a brincar durante sessão da Aleam ao comentar uma ação realizada pela deputada Alessandra Campelo (Podemos) em Beruri, na foz do Purus. Segundo ele, a colega estaria “invadindo” sua região política.
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Igrejas e grupos empresariais
O secretário da Mulher, Assistência Social e Cidadania de Manaus, Saullo Vianna (União Brasil), elegeu-se deputado estadual em 2018 concentrando votos na região de atuação das empresas da família, com base em Parintins. O pai, Sérgio Vianna, tem forte popularidade no município por ter presidido o boi-bumbá Caprichoso, outra fonte de apoio político ao deputado federal licenciado.
Quatro anos depois, Saullo ampliou sua área de atuação e se tornou um dos deputados federais mais votados do Amazonas, com votos distribuídos pelos municípios do Baixo Amazonas, como Parintins, Maués, Itacoatiara, Urucará, Urucurituba e Nhamundá, onde as empresas da família mantêm presença.
Outro celeiro fiel de votos está espalhado por todo o Estado nas igrejas evangélicas que desenvolvem projetos políticos. É dessa forma que a Igreja Evangélica Assembleia de Deus garante seguidas reeleições ao deputado federal Silas Câmara, além dos vereadores Luís Mitoso (MDB) e Joelson Silva (Avante). Na Aleam, o representante da denominação é o deputado estadual Dan Câmara, que hoje ocupa o espaço antes pertencente ao ex-deputado Francisco Souza, eleito diversas vezes com o apoio da igreja.
Assim como a Assembleia de Deus, outras igrejas se consolidaram como celeiros de votos neste século. Um exemplo recente é a Nova Igreja Batista, que elegeu e reelegeu o vereador Raiff Matos (PL). De formação mais antiga, a comunidade Igreja Batista da Paz (IBP) também construiu uma dinastia política familiar iniciada com o ex-vereador Luizinho, pai do deputado estadual Felipe Souza (PRD) e avô da vereadora Thaysa Lippy (PRD).
A Igreja Universal do Reino de Deus mantém igualmente um projeto político estruturado, que assegura a eleição e reeleição de vereadores em Manaus, como o mais votado, João Carlos, além do deputado estadual João Luiz. Ambos são filiados ao Republicanos, partido criado pelo fundador da Universal, o bispo Edir Macedo.
Análise dos celeiros
O analista político Odeney Oliveira, professor da Universidade Federal do Amazonas, avalia que a existência de celeiros eleitorais na configuração política do Estado traz aspectos positivos e negativos. Segundo ele, se não houvesse concentração de votos em regiões de baixa densidade populacional, muitos desses municípios não receberiam a atenção do poder público.
Ele cita como exemplo o caso de Adjuto e o pequeno município de Pauini, que, sem votar majoritariamente nele, não teria voz no Parlamento estadual.
“Com menos de 100 mil habitantes, o Alto Solimões só está na mira de programas e políticas públicas porque lá estão todos os finais de semana políticos como Átila Lins, que exerce mandatos desde os anos 1970”, afirma. O professor lembra ainda que a região do rio Negro, formada por Novo Airão, Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira, com população semelhante, não elege um deputado estadual desde Wilton Santos, que exerceu mandato entre 1994 e 1998.
O lado negativo dessa concentração de votos, segundo ele, é a baixa renovação política, com as mesmas pessoas, famílias, igrejas e grupos empresariais se mantendo no poder por sucessivas gerações.






