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Quando a curiosidade em vídeos de violência explícita vira vício; entenda

Entenda mais de um vício preocupante nos dias atuais
Quando a curiosidade em vídeos de violência explícita vira vício; entenda

(Foto: reprodução)

O termo gore (ou splatter) nasceu no cinema de terror, marcado por filmes como Sexta-Feira 13, Halloween e Jogos Mortais, em que a violência gráfica é o principal recurso. Com o tempo, porém, o conceito se transformou na internet e passou a designar fotos e vídeos de mortes reais e explícitas — um tipo de conteúdo que, além de ganhar espaço entre os usuários, desperta crescente preocupação.

A popularidade desse tipo de conteúdo começou mais cedo do que aparenta. No Brasil o Gore se tornou acessível através de uma série de filmes de categoria mondo (ou shockumentary), chamado “Faces da Morte”, que se popularizou por aqui entre o final dos anos 80 e início dos anos 90. O filme consiste num documentário, cujo objetivo é mostrar cenas de morte real, sem nenhuma censura. Mas a franquia Faces da Morte, por si só, daria um artigo só seu, então, fica para outro dia.

Em 1996, surgiu na internet o primeiro site dedicado a reunir fotos e vídeos gore em um só lugar, o site americano Rotten.com, que hoje já esta fora do ar. O Rotten surgiu como forte de protesto contra o Communications Decency Act, ou lei da decência na internet, que tinha como objetivo barrar conteúdos pornográficos ou de morte na internet. O Rotten ficou no ar até 2003, mas em seu lugar outras páginas de mesmo conteúdo surgiram.

(Foto: Reprodução)

O Brasil mesmo teve alguns bem famosos. Um deles foi o “Assustador”, surgido em 1999 e foi muito famoso por mostrar todas as fotos dos corpos dos Mamonas Assassinas, além de outros vídeos, alguns caseiros e chocantes. Posteriormente, sites como “Cabuloso” e “Mundo Bizarro”, também foram populares, mas hoje, todos estão fora do ar.

O mais famoso, surgido no Canadá, foi o “Best Gore”, chegou a possuir 20 milhões de visitas mensais, segundo dados do Ibest. fundado em 2008, e o grande diferencial do Best Gore para as páginas citadas anteriormente, é que o site era uma plataforma de vídeos que funcionava da mesma maneira que o YouTube, o que significava que, os visitantes também podiam publicar vídeos, fazendo do Best Gore o site que mais reuniu conteúdo de violência extrema da internet.

O fundador do site, o canadense Mark Marek, possuía uma linha editorial para justificar o projeto, onde dizia que “”O Bestgore é um site de notícias que relata eventos da vida real que são de interesse para o público. O Bestgore foi fundado no princípio fundamental da liberdade de expressão para o público, a liberdade da imprenso e o direito do público de ser informado”.

(Foto: Reprodução)

Em 2017, em uma entrevista para um blog, Mark alegou que a mídia escondia a realidade das pessoas, e que consumir vídeos de gore era como “tomar a pílula vermelha”, e tomar um choque do que é a vida, de fato. Apesar disso, em 2020 o Bestgore saiu do ar por falta de recursos, uma vez que o site custava caro para se manter no ar, e somente a indústria pornográfica anunciava na home, que não era suficiente para manter o Bestgore no ar.

O Gore nos dias de hoje

Embora muitos sites com esse tipo de conteúdo tenham surgido e caído ao longo dos anos, sempre surgem novos sites com a mesma proposta. No entanto, nos dias atuais, esse tipo de vídeo vem se propagando de forma mais acelerada nos aplicativos de mensagem, como WhatsApp e Telegram. Isso por que, usuários que gostam desse tipo de conteúdo tendem a compartilhar com amigos ou grupos de mensagens. A cada grupo de WhatsApp com 10 pessoas, pelo menos cinco delas tem a possibilidade de passar determinado vídeo adiante.

Uma tendência que passou a se espalhar, principalmente pelo TikTok, são influenciadores que fazem react (gravam sua reação enquanto assiste) aos vídeos de gore. Eles não mostram o vídeo, mas gravam sua reação e narram detalhes da cena para a audiência. Nas apurações feitas nesses perfis, o link do vídeo fica disponibilizado nos comentários, em geral, por seguidores do influencer. Mas ainda encontramos diversos perfis de react onde o próprio influenciador coloca o link do vídeo em um comentário fixado, propagando para mais gente o conteúdo.

(Foto: Reprodução/TikTok)

Não existe uma lei que proíba o consumo ou o compartilhamento de conteúdos dessa natureza. Embora esteja dentro da legalidade, a moralidade ainda é um assunto muito discutido, e principalmente, o impacto que esses vídeos produzem no psicológico a longo prazo.

Consumir gore faz mal?

O consumo de gore em si é assimilado por muitas pessoas como assistir a um filme de terror. Assistir esse tipo de vídeo, ainda que seja questionado e condenado por muitas pessoas, só se torna um problema real quando se torna um vício, conforme explica a doutora Flávia Bueno, Neuropsicóloga clínica. Ela explica que a exposição exagerada a esse tipo de vídeo causa uma dependência similar a vista com o vício em pornografia.

“Estudos e análises de psiquiatras sugerem que estímulos violentos podem, sim, ativar o sistema de recompensa do cérebro, envolvendo a liberação de dopamina (hormônio produzido no cérebro que atua no sistema de recompensa). No entanto, a natureza e intensidade desse processo podem variar consideravelmente. A busca por estímulos intensos, seja por curiosidade ou desejo de adrenalina, pode levar a um ciclo de consumo semelhante ao vício em pornografia”, explica a especialista, que alerta que, o vício pode fazer com que o indivíduo busque por vídeos ainda mais pesados e perturbadores.


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“A exposição à violência pode provocar uma descarga de adrenalina e outras emoções fortes que, para algumas pessoas, podem ser percebidas como uma forma de excitação ou “prazer”. Essa busca por estímulos intensos pode levar à necessidade de consumir conteúdo cada vez mais gráfico ou extremo para obter a mesma resposta, criando um ciclo de dependência”, exemplifica.

Francisco Lincoln de Almeida, 33 anos, consome esse tipo de conteúdo, e segundo ele, consegue assistir a esses vídeos, embora admita que hoje consuma bem menos do que quando era mais jovem.

“Eu sempre me impressionei, mas o que me fez ver esses tipos de conteúdo foi a curiosidade. Nunca tive medo, mesmo sendo uma coisa forte consigo lidar e passar para outras pessoas”, afirma. 

Amigos próximos afirmam que Lincoln sempre teve frieza diante desse tipo de vídeo, mas ele diz que se impressiona, sim, embora consiga controlar melhor as emoções.

“Muita gente se impressiona com a frieza que tenho, posso dizer que não é frieza, eu apenas consigo lidar com isso do que a maioria das pessoas. Eu consigo ver, tenho sentimento do que aconteceu naquela situação, como falei, fico impressionado, mas, não tenho medo”, declarou.

(Foto: Reprodução/Reddit)

No entanto, existem pessoas que relatam um nível de vício preocupante nesses conteúdos. Em grupos de desabafo no fórum Reddit, nossa reportagem encontrou alguns relatos que chamam atenção para o vício e o malefício de se consumir esse tipo de conteúdo de forma irrefreável.

(Foto: Reprodução/Reddit)

A Doutora Flávia Bueno explica que, quando o vício causa a “dessensibilização”, a situação se torna crítica.

“A dessensibilização ocorre quando uma pessoa se acostuma com um estímulo, fazendo com que ele perca o impacto inicial. No caso de conteúdo perturbador, como violência, o consumo constante pode levar à normalização dessas imagens, diminuindo a resposta emocional esperada. Isso pode indicar uma desconexão entre a percepção da violência e a resposta afetiva, que é o que torna a situação preocupante”, relata.

“A ausência de reação emocional, como repulsa, medo ou choque, ao consumir conteúdo perturbador ou violento pode ser preocupante em alguns casos. Embora nem sempre indique um problema grave, essa falta de sensibilidade pode estar ligada a fatores como dessensibilização, mecanismos de defesa psicológica ou até mesmo a transtornos de saúde mental”, conclui a especialista.

O gore na cultura atual

Tal como a pornografia, o acesso aos conteúdos de violência extrema ficou muito mais fácil, graças à internet, que em muitos casos, normaliza essa prática. O fato é que o ser humano tem uma mórbida curiosidade pela morte e pelo cruel, e muitas vezes, esse tipo de vídeo serve para saciar essa interesse.

(Foto: Reprodução)

Quando procurar ajuda profissional

A curiosidade e o consumo, embora sejam considerados normais, não podem virar vício, nem fazer com que o ser humano perca a noção da realidade. Em casos mais extremos, procurar ajuda profissional para lidar com o vício e a dessensibilização é vital para a saúde. 

Enquanto isso, os pais também devem ficar em alerta com os filhos no TikTok, uma vez que não há dificuldade alguma em encontrar esse tipo de conteúdo na plataforma.