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Justiça reconhece saber ancestral indígena em decisão histórica sobre uso medicinal da cannabis

Justiça reconhece saber ancestral indígena em decisão histórica sobre uso medicinal da cannabis

Lucas Costa
Por Lucas Costa | 28/07/25 às 16:18h

Numa decisão que quebra paradigmas e amplia o reconhecimento do saber ancestral dos povos originários, a 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) autorizou um pajé indígena a importar sementes, cultivar a planta e extrair o óleo de cannabis para fins medicinais. O tribunal reconheceu que o conhecimento tradicional transmitido oralmente por gerações é suficiente para garantir o uso seguro da planta, mesmo sem formação acadêmica formal.

A decisão — tomada por maioria em julgamento realizado no dia 15 de julho — reformou uma negativa anterior de habeas corpus, fundamentada na suposta ausência de capacitação técnica do indígena. A relatora do caso, desembargadora Simone Schreiber, afirmou que não se pode impor uma visão “eurocêntrica e excludente” da ciência sobre práticas enraizadas culturalmente.

“A exigência de curso formal para o manejo da planta impõe uma lógica colonial e desconsidera saberes historicamente marginalizados”, destacou a magistrada.

O pajé é líder espiritual da Aldeia Maracanã e pertence ao tronco Tupi-Guarani. Diagnosticado com transtorno de ansiedade generalizada, ele recorreu à Justiça após constatar melhora significativa com o uso do óleo de cannabis — tratamento inviabilizado pelos altos custos do produto industrializado.

Com o salvo-conduto concedido, poderá agora produzir o próprio medicamento sem risco de sanção penal, desde que o uso seja pessoal e estritamente medicinal.

A advogada Juliana Sato Gomes Amorim, que representou o líder indígena, sustentou o caráter não apenas terapêutico, mas também espiritual e cultural do uso da planta. A prática, segundo ela, está profundamente integrada à vivência da comunidade indígena, e negar seu exercício seria violar não apenas o direito à saúde, mas também à identidade cultural.


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A decisão do TRF-2 foi amparada no artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece os direitos dos povos indígenas à sua organização social, costumes e tradições. Também levou em conta precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que vêm autorizando o cultivo doméstico da cannabis em casos específicos, além de críticas à ineficácia da atual política criminal de combate às drogas.

A autorização ao pajé não representa apenas uma vitória individual, mas pode se tornar referência para casos futuros envolvendo o reconhecimento de saberes tradicionais e o direito à saúde a partir de outras matrizes epistemológicas. Em um país marcado por desigualdades históricas, a decisão aponta para uma Justiça mais plural, que considera não apenas a lei, mas os diversos modos de vida que compõem o Brasil profundo.