Descoberta revela que duas espécies humanas conviveram na Etiópia há 3,4 milhões de anos

Montagem mostra o fóssil do ‘Australopithecus afarensis’; à direita, as costas da ossada de ‘Selam’ — Foto: Divulgação/Dikika Research Project
Uma nova análise conduzida por pesquisadores da Universidade Estadual do Arizona (ASU), nos Estados Unidos, revelou que duas espécies humanas antigas conviveram na mesma região da Etiópia há cerca de 3,4 milhões de anos e que cada uma delas caminhava de um jeito distinto.
A descoberta, publicada na revista Nature, reescreve parte fundamental da história evolutiva e confirma que o trajeto até o Homo sapiens sapiens foi muito menos linear do que se acreditava.
O estudo resolve um enigma que intrigava cientistas desde 2009, quando um pé fossilizado, encontrado em 29 fragmentos na região de Woranso-Mille, não se encaixava na anatomia da famosa Lucy (Australopithecus afarensis).
Agora, com novos fósseis como dentes e a mandíbula de um indivíduo jovem, os pesquisadores conseguiram associar o chamado “Pé de Burtele” à espécie Australopithecus deyiremeda.

Um pé que intrigou a ciência
Diferentemente de Lucy, totalmente adaptada ao bipedalismo terrestre, o A. deyiremeda possuía um dedão opositor, semelhante ao polegar das mãos, ideal para escalar árvores. Ao mesmo tempo, o restante do pé indicava locomoção bípede firme no solo. Era um verdadeiro mosaico: parte trepador, parte caminhante.
Sem mandíbula ou dentes correspondentes, a identificação da espécie era impossível, até agora. A prudência na paleoantropologia finalmente deu espaço à certeza após novas escavações revelarem fósseis compatíveis com a anatomia daquele pé.

Convivência inédita na pré-história
A descoberta confirma que A. afarensis e A. deyiremeda dividiram o mesmo território ao mesmo tempo, algo jamais registrado em outro sítio arqueológico da época. O que antes parecia um domínio exclusivo da linhagem de Lucy agora se revela como uma paisagem mais diversa, com duas espécies ocupando nichos distintos.
Maneiras diferentes de caminhar
A análise mostra que o A. deyiremeda:
- tinha um dedão capaz de agarrar galhos, útil para buscar alimento em árvores;
- caminhava de forma bípede, impulsionando o passo pelo segundo dedo, diferente dos humanos modernos, que usam o dedão.
Lucy, por sua vez, apresentava pés totalmente adaptados ao caminhar ereto no solo. Segundo os pesquisadores, isso indica que o bipedalismo não surgiu de um único modo, mas por meio de diferentes “tentativas” evolutivas simultâneas.

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Dietas distintas, sobrevivência compartilhada
A equipe examinou também isótopos de carbono em dentes atribuídos ao A. deyiremeda. Os resultados apontam que:
- Lucy consumia uma dieta variada, incluindo plantas de ambientes abertos;
- A. deyiremeda se alimentava majoritariamente de plantas de áreas arborizadas.
Com dietas diferentes, as duas espécies evitaram competição direta, fator que pode ter permitido sua coexistência.
Fóssil infantil revela padrões de crescimento
Entre os novos achados está a mandíbula de um indivíduo jovem com dentes de leite e permanentes em formação. Exames de tomografia mostraram que o padrão de crescimento infantil seguia uma lógica semelhante à de outros australopitecos.
Olhando para o passado para compreender o futuro
Os pesquisadores destacam que entender como clima, dieta e comportamento influenciaram a evolução humana ajuda a projetar como transformações ambientais futuras podem afetar a vida moderna.
“Se não entendermos o nosso passado, não conseguimos compreender plenamente o presente”, afirma Yohannes Haile-Selassie, coordenador da pesquisa.
*Com informações do G1.






