Capital Inicial: da ‘segunda divisão do rock’ a uma das bandas mais bem sucedidas da atualidade

(Foto: divulgação)
Com 40 anos de carreira e uma coleção de hits e extrema relevância na cena do rock nacional, o Capital Inicial fez aquilo que poucas bandas de rock dos anos 80 conseguiram fazer na atualidade; renovar o seu público e se manter presente na mídia. No entanto, ao contrário do que se pensa, a trajetória da banda liderada pelo vocalista Dinho Ouro Preto passou por grandes dificuldades nos anos 80/90, marcada por letras fracas e vivendo à sombra dos seus conterrâneos da Legião Urbana.
O Capital Inicial faz parte de um movimento de grande importância para o rock nacional, a cena punk nascida em Brasília em 1978, com o surgimento da banda Aborto Elétrico, formada inicial por Renato Russo, Felipe Lemos (Fe) e André Pretorius, que mais tarde deixa o grupo para servir o exército e dá lugar a Flávio Lemos, irmão de Fe. O trio passou a compor músicas falando da vida tediosa e da juventude em Brasília, cidade que, em sua maioria, era habitada por políticos e diplomatas.

O surgimento do Aborto Elétrico inspirou uma juventude toda a montar bandas e fazer música, dando origem a diversas bandas, muitas dessas sequer se tornaram famosas, enquanto outras, como a Peble Rude e o Capital Inicial, conseguiram alcançar o sucesso. Até mesmo o Paralamas do Sucesso, que era do Rio de Janeiro, sofreu a influencia da cena do punk brasiliense, e no início dos anos 90, os Raimundos também nasceram dessa influência.
O Capital Inicial é fruto do fim do Aborto Elétrico, em 1981. Após diversos desentendimentos entre Renato Russo e Fê Lemos, a banda se dissolve, dando origem, posteriormente, a Legião Urbana e ao Capital Inicial. Fê e Flávio Lemos se uniram ao guitarrista Loro Jones e ao jovem Dinho Ouro Preto, que era um fã do Aborto Elétrico e acabou criando amizade com os membros da banda.
Com três anos de trabalho, a Legião e o Capital escreveram um repertório bem sólido, e as bandas acabaram dividindo essas músicas entre eles. Ao Capital, coube apenas quatro canções, as que tinham a co-autoria dos irmãos Lemos. E foi com três dessas músicas que o Capital Inicial foi alçado ao sucesso muito rápido, com Música Urbana, Fátima e Veraneio Vascaína.

Em 1985, o Capital se muda para São Paulo e assinam com a Polydor e gravam um compacto com a música “Descendo o Rio Nilo”. A disco vende bem o suficiente para a gravadora investir em um álbum, e em 1986, sai o primeiro LP “Capital Inicial”.
O nome da banda surgiu de uma brincadeira da irmã de Fe e Flávio, que dizia que, para que eles pudessem dar continuidade ao trabalho da banda, precisavam ter algum dinheiro, um “capital inicial”.
A sombra da Legião
O Capital lança seu primeiro disco no mesmo período em que a Legião Urbana lançava “Dois”, o seu segundo LP. Por isso, parte do sucesso do primeiro trabalho do Capital Inicial se deu pelas três músicas da época do Aborto Elétrico, as três, letras de Renato Russo, que já era extremamente elogiado pela crítica pelo seu trabalho com a Legião.
“Música Urbana” entra na trilha sonora da novela Roda de Fogo, da Rede Globo. Mas o que realmente impulsona a venda do disco é a censura da música “Veraneio Vascaína”, música que fala sobre os abusos de autoridade da polícia de Brasília. Na época, qualquer banda de rock que tivesse alguma música censurada pelo governo garantia uma boa vendagem de disco.

Embora outras músicas do disco, como “Psicopata” e “Leve Desespero” tenham feito algum barulho, o grande destaque do Capital eram as músicas cujas letras eram escritas pelo líder da Legião Urbana.
Segundo o Livro “Renato Russo: Filho da Revolução”, o próprio Renato Russo provocou o Capital Inicial, enquanto escutavam o segundo LP da banda, “Independência” de 1987. Durante a audição, Renato disse a seguinte frase a Dinho Ouro Preto “”Eu quero ver como vai este disco, agora que vocês não têm mais o melhor letrista”.
De fato, “Independência” até teve boas vendas, 140 mil cópias, mas ficou abaixo dos números do primeiro LP, 275 mil cópias. As vendas do disco foram impulsionadas devido a uma turnê feita com o cantor ingles Sting pelo Brasil. No entanto, a crítica não deixou de apontar problemas graves no disco.
Uma matéria publicada no jornal “Correio Brasiliense” criticou a adição do tecladista Bozo Barreti a banda, que havia produzido o primeiro LP do Capital e acabou se tornando membro da banda, segundo o jornalista Paulo Pestana, autor da resenha “Independência parece muito mais o primeiro disco do Bozo Barreit do que o segundo do Capital Inicial. A primeira impressão é que o tecladista dominou inteiramente o grupo, fazendo um produto insosso e que, em nada lembra o primeiro disco”.
Leia mais:
CPM 22: Os 30 anos do punk/hardcore que mudou o rock nacional nos anos 2000
Kid Abelha: os 40 anos da banda de rock pop que embalou as rádios do Brasil
E ele também criticou as letras, que ao seu ver eram “apressadas e falsamento revoltadas”, citando de exemplo a faixa “Autoridades” onde a a banda canta “Autoridades incompetentes acham que vocês não passam de fantoche”, afirmando que as letras eram “um show de fragilidade mental”.
As letras fracas se tornaram um dos problemas que o Capital Inicial enfrentou dos anos 80. Paralelo a isso, a mídia passou a compará-los com a Legião Urbana, que estava no seu auge com o “Que País É esse”, disco onde a banda gravou boa parte do repertório do Aborto Elétrico. Enquanto a Legião seguia cada vez mais para o lado crítico e poético, o Capital Inicial deixava de lado o punk, indo para uma ceara mais dançante.
No livro “Dias de Luta: O Rock e o Brasil dos anos 80”, escrito por Ricardo Alexandre, Dinho Ouro Preto admitiu que a banda tinha dificuldades em escrever letras “Éramos despreparados, vimos a Legião explodindo e não tínhamos uma marca tão Forte. Tinhamos dificuldades em compor. Mal sabíamos tocar e precisávamos gravar um disco por ano”, relatou.

Essa dificuldade ficou ainda mais evidente no terceiro álbum da banda, “Você não Precisa Entender”, de 1988, que deixou a guitarra em segundo plano, investiu em metais, teclados e sintetizadores. O Capital passou a ser taxado de uma banda pop, e mais uma vez, recebeu paulada da crítica. A mais pesada veio do caderno cultural do Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, onde o jornalista Arthur Dapieve disse que as letras eram “inexplicavelmente ruins, daquelas que rimam último desejo com beijo”. Fe Lemos tentou rebater a crítica, e em entrevista ao Jornal do Brasil ele afirmou que a banda sabia da limitação que tinha em escrever letras, mas que não presavam por isso “Deviam dar mais atenção ao lado instrumental”, declarou o baterista.
Anos mais tarde, o próprio Dinho Ouro Preto admitiu que “Você Não Precisa Entender” foi prejudicado pelo abuso de drogas que já acontecia dentro da banda. Em 2005, em entrevista para a Mtv, ele chegou a dizer que a música “Pedra na Mão”, presente nesse álbum, lhe dava vergonha. No geral, o disco rendeu ao Capital Inicial o título de “Banda de pop insosso” pelo Jornal do Brasil.
A parceria com Alvin L.
Em 1989 veio o disco “Todos os Lados”, que foi feito de forma apressada. Devido as criticas pela falta de letras boas, a banda adiou a gravação do quarto LP, mas após a pressão da gravadora, eles recorreram a um conhecido, o compositor Alvin L, que ficou muito famoso, por compor letras para artistas como Marina Lima, Milton Nascimento e Sand & Jr.
Na época, Alvin ainda não atuava como compositor para outros artistas. Ele fazia paerte da banda “Rapazes de Vida Fácil”, que não foi para a frente. Alvin escreveu junto com Renato Russo a música “Belos e Malditos”, a qual ele ofereceu ao Capital Inicial. Impressionados com a qualidade da letra, a banda convidou Alvin para assinar outras parcerias com Dinho, resultando no primeiro grande sucesso do Capital desde o seu primeiro disco, a música “Mickey Mouse em Moscou”.

Com letras mais interessantes e voltando a investir num som mais pesado “Todos os Lados” chegou a vender bem, mas não o suficiente para renovar o contrato, resultando na demissão do Capital Inicial pela Polydor. Em 1991, já pela gravadora BMG, eles lançam “Eletrecidade”, a partir daqui, Alvin L passa a fazer parte integral do Capital, mas apenas como compositor, e até hoje ele participa das letras da banda.
A parceria com Alvin L resultou num álbum que foi bem recebido pela crítica. O Jornal do Brasil chegou a declarar que “Alvin L era o letrista que faltava para dar rumo a banda”. Por outro lado, o Capital passou a enfrentar problemas internos. Dinho, cada vez mais afundado nas drogas, passou a ter brigas constantes com o restante da banda, uma delas resultou na saída do tecladista Bozo Barreti, que trocou socos com o cantor. Como resultado, em 1993 ele deixa o Capital Inicial para investir numa carreira solo que não deu certo.
Sem o Dinho, o Capital lançou o disco “Rua 47”, em 1995, em parceria com o cantor Murilo Lima, com um som muito mais sujo, pesado e distante do original. Sem gravadora e lançando o disco de forma Independente, o Capital Inicial foi para o esquecimento.
O sucesso chega
Em 1998, a Polygram (antiga Polydor), que ainda tinha os direitos sobre a obra do Capital Inicial, lança uma coletânea intitulada “O Melhor do Capital Inicial”, e para a surpresa da gravadora o disco vende bem. Motivados pela boa vendagem, os diretores da gravadora decidem tentar reunir a formação original do Capital para uma série de shows.
Devido a boa repercussão dos shows, o Capital Inicial assina com a Sony, e no mesmo ano lança o disco “Atrás dos Olhos”.
O novo disco já apontava para a sonoridade dos dias atuais, um rock mais pop, mas sustentado em guitarras mais bem construídas. A parceria com Alvin L continuava, trazendo o sucesso radiofonico “Eu Vou Estar”. Com a boa fase, a banda foi convidada para gravar o disco que seria a virada de chave total.
Em 2000 veio Acústico Mtv, que já havia sido responsável pela revitalização da carreira de bandas como Titãs e Paralamas do Sucesso. No caso do Capital, mais do que revitalizar, o disco foi o primeiro grande sucesso comercial do grupo, de um jeito que nunca haviam experimentado.

Foi nesse disco que o grupo gravou músicas como “Primeiros Erros”, “Natasha” e “Tudo que vai”, que tocaram a exaustão nas rádios. O Acústico Mtv do Capital Inicial acabou ficando entre os sete acústicos mais vendidos, junto com Kid Abelha, Titás, Cássia Eller e Roberto Carlos. E consequentemente, renovando o público da banda.
Em 2022, durante entrevista ao Podcast “Corredor 5”, a diretora da extinta Mtv Brasil, Anna Butler, confessou que a Mtv foi forçada a fazer o acústico com o Capital devido a uma questão contratual “Ninguém queria fazer aquele show, pois o Capital Inicial era uma banda de segunda divisão. Nem eles acreditavam no sucesso desse disco. Mas a ordem veio de cima, dos chefões da Abril, e tivemos que fazer aquele acústico. Eu mesma tive muita má vontade com eles” contou Anna.
Entendendo a tendência do rock nacional nos anos 2000, o Capital Inicial largou as influências do punk rock e adotou uma identidade mais “jovem” na sonoridade. Em 2002, o guitarrista Loro Jones sai da banda, e já com o atual guitarrista, Yves Passarel, lançam “Rosas e Vinho Tinto”, que consolidou o Capital com seu novo público, graças a músicas como “A Sua Maneira”, “Quatro Vezes Vocês” e “Olhos Vermelhos”.

A tendência do pop rock se manteve nos trabalhos seguintes, como nos discos “Gigante – 2004” e “Eu Nunca Disse Adeus – 2007”, “Das Kapital – 2010”, “Saturno – 2012” e “Sonora – 2018”, até então o ultimo disco de estúdio da banda.
Além desses trabalhos, o grupo ainda lançou outros projetos ao vivos, como o Acústico em Nova Iork, e o Multishow Ao Vivo. Ainda em 2005, pela Mtv, eles lançam o “Especial Aborto Elétrico”, disco revisita todo o repertório do Aborto Elétrico, com os arranjos originais dos anos 80. Além de gravaram músicas como “Fátima” e “Música Urbana”, eles tambám lançam músicas que ficaram famosas com a Legião, como “Que País é Esse”, “Geração Coca-Cola” e “Química”.
Também vale lembrar o tráfico acidente sofrido por Dinho Ouro Preto em 2009 durante um show em Minas Gerais, onde o vocalista caiu do palco de 3 metros, resultando em uma costela quebrada e um traumatismo craniano. O cantor ficou um mês internado e precisou passar por uma intensa terapia para reaprender a cantar e tocar guitarra, dada a gravidade do acidente.
Até hoje o Capital Inicial mantém sua carreira em alta. Atualmente, a banda faz uma turnê comemorando os 25 anos do Acústico Mtv e já manifestou planos de lançar um novo disco de músicas inéditas. Com 40 anos de história e um caminho tortuoso trilhado, o Capital segue renovando seu público de uma forma que outras bandas dos anos 80 não conseguiram fazer, com shows animados e um repertório digno de uma banda de sucesso.
