Trezentona, Manaus tem uma rica e tradicional gastronomia forjada pelos povos que a habitaram

Jaraqui frito com baião de dois e farofa. Confia que comeu não sai mais daqui?
Manaus festeja, nesta sexta-feira (24), 356 anos de fundação com uma rica culinária desenvolvida ao longo deste tempo, com influências dos povos originários e também dos que migraram para nossa capital. Assim, nas casas manauenses, neste almoço de festa, podemos ter peixes (moqueado, assado, frito ou cozido), tartarugadas, pirarucu de casaca, bacalhau, porco assado, galinhadas, charutos árabes e mais recentemente, empanadas venezuelanas e arepas.
Essa rica tradição foi documentada, inicialmente, pela ex-primeira dama da cidade, Cholé Souto Loureio, cujo livro Doces Lembranças, lista algumas das receitas mais tradicionais nas mesas locais ainda no século passado. Nessa lista, as diferentes formas de preparar tartaruga eram o destaque.
O quelônio, cuja captura e comercialização estão proibidas deste os anos 1960, era degustado em sarapatéis, bifes do filé, farofa no casco, cozidos, guizados e, conforme as lendas manauaras, de outras 60 formas diferentes.
Sem a tartaruga no prato, o habitante da capital amazonense não pensa duas vezes em optar pelos peixes, principalmente o tambaqui, pacu, pirarucu, matrinxã e o queridinho da cidade, o jaraqui, sobre quem paira a lenda de que “comeu jaraqui, não sai mais daqui”.
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Incorporação e transformação gastronômicas
Uma das características de Manaus é ser, desde a metade de sua história, uma cidade cosmopolita, que absorve o melhor de outras culturas. Não à toa a cidade foi conhecida por muito tempo como a “Paris dos Trópicos”.
A forma de comer o jaraqui, por exemplo, passou por essa miscigenação culinária. Hoje, o peixinho mais abundante e gostoso da cidade é consumido primordialmente com uma guarnição formada pelo nordestiníssimo baião de dois.
A iguaria vem da rica tradição culinária nordestina trazida para o Amazonas por milhares de cearenses e potiguares que vieram trabalhar como soldados da borracha.
A nossa herança portuguesa também está presente na culinária manauara, com bolinhos e pratos a base de bacalhau, sendo uma opção preferencial nas mesas da elite local. Mas como em Manaus tudo se transformar e se reinventa, temos agora bolinhos de pirarucu e de piracuí (farinha de bodó) assumindo protagonismo, bem como o bacalhau da amazônia, que é o pirarucu que passa pelo processo de salga que transforma diversas espécies de peixes dos mares do norte em bacalhau.
As ondas migratórias externas também deram um toque extra ao gosto do manauense. Uma das maiores colonias sírio-libanesas do país, Manaus tem vários restaurantes dedicados a culinária árabe, com seus charutos de repolho, couve, babaganouche, coalhadas e kaftas, hoje um item quase obrigatórios nas bancas de “churraquinho de gato”. Um dos mais antigos, o Sarah´s vai completar 50 anos.
Outra colonia que marca a gastronomia local, mas com impacto mais forte nos anos deste século, a japonesa colocou na mesa dos manauaras os sushis e sashimis, bem como o molho de soja (shoyu) e wasabi, a raiz apimentada que dá gosto especial as preparações cruas. Para a geração milenial de Manaus, mais do que um pacu frito, o que cai bem é um combo ou uma barca de sushis.
Mais recentemente são os venezuelanos, que vem para Manaus fugindo da ditadura de Nicolas Maduro, que trouxeram uma contribuição gastronômica significativa. Na Zona Leste, na rua do Fuxico (avenida Brigadeiro Hilário Gurjão) e na Itaúba, nem uma lanchonete abre mão das empanadas venezuelanas, que já substituem a coxinha e o croquete na preferência dos lanches rápidos.
Mistura exótica de sabores da floresta
Mas nos lanches rápidos, cafés da manhã, cafés da tarde, nada bate o X-Caboquinho e sua versão mais raiz, tapioca de X-Caboquinho. A mistura de um carboidrato, pão ou tapioca, banana frita, queijo coalho e lascas de tucumã é a “preferência nacional” do manauense.
E há versões para todos os gostos e bolsos, sendo possível hoje pagar por um X-Caboquinhos o incrível preço de até R$ 50 em restaurantes sofisticados.

Popularizado pelo Café Regional da Joelza, que existia onde hoje é o complexo viário Lydia Corrêa, o X-Caboquinho ganhou tração como preferência nos anos 90 do século passado. Conforme a empresária Joelza Vasconcelos, a receita era antiga na família dela, mas sem a banana frita, que foi introduzida aleatoriamente por uma parente e acabou virando o principal produto da casa, considerada por muitos como a casa onde nasceu o sanduíche que é a cara de Manaus.

Para o chefe de cozinha e professor de Gastronomia Eraldo Oliveira, a gastronomia manauara é tão rica quanto a de outros Estados brasileiros, mas leva uma vantagem por ainda ter “pratos raiz” e uma diversidade muito grande, uma característica que, segundo ele, ajuda a cidade no pleito de ser reconhecida pela Unesco como “Cidade Criativa da Gastronomia”.






