Pau-de-balsa: pesquisa mostra potencial para substituir o mercúrio no garimpo de ouro

Foto: Polícia Federal
Um estudo que envolve duas Universidades Federais, a do Rio de Janeiro (UFRJ) e a de Rondônia (Unir), o Instituto Militar de Engenharia (IME) e a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) é a chave para acabar com um dos piores problemas ambientais da região e que recentemente virou um conflito político entre a bancada do Amazonas e o Governo Federal.
Liderado pela professora da UEA Marta Pereira, o projeto “Potencial Biotecnológico de Ochroma pyramidale como substituto do mercúrio na mineração de ouro” pode dar a solução para acabar com a poluição ambiental gerada pelo uso do mercúrio nos garimpos de ouro na região.
O Ochroma pyramidale é uma árvore conhecida como Pau-de-balsa e está presente em toda a Amazônia, Caribe e sul da América do Norte. A madeira dela é usada na indústria moveleira, mas os pesquisadores trabalham para que um extrato derivado da planta possa fazer a separação do ouro dos demais sedimentos recolhidos durante a atividade de mineração.
Essa separação é feita hoje com o uso do mercúrio, um metal pesado extremamente tóxico que contamina a água dos rios e os peixes presentes neles. O ser humano que comer um peixe ou tomar água contaminada com mercúrio também será infectado e estará sujeito a uma série de doenças .
Um inquérito do Ministério Público Federal do Amazonas (MPF-AM) trouxe laudos técnicos que comprovaram a contaminação de água, de sedimentos e de populações ribeirinhas do rio Madeira, cujas amostras de cabelo apresentaram níveis de mercúrio superiores aos limites estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Estudos conduzidos pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) também revelaram que 22,5% dos peixes analisados no Amazonas apresentaram concentração do metal acima do nível permitido. Crianças de 2 a 4 anos foram identificadas entre os grupos mais vulneráveis, com ingestão até 21 vezes superior ao limite seguro estabelecido pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA).
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Conhecimento tradicional deu a “dica” para os cientistas
A extração de metais de solos e rios existe desde muito antes do emprego do mercúrio, e comunidades de garimpeiros da região de Tadó, no Departamento (Estado) de Chocó, na Colômbia, há mantêm viva a tradição do garimpo artesanal de ouro e prata com o uso de plantas locais. Recentemente, os ribeirinhos do baixo rio Madeira, no Amazonas, também passaram a garimpar usando uma das plantas utilizadas no garimpo artesanal do ouro nas comunidades colombianas, o Pau-de-balsa.
A pesquisa tocada por cientistas das quatro instituições públicas também conta com a participação técnico-logístico da Cooperativa dos Garimpeiros do Rio Madeira (Coogarima), cujos profissionais estão usando o Pau-de-balsa no lugar de mercúrio.
Da família do quiabo e do algodão (Malvaceae), o “Pau-de-Balsa” produz uma madeira leve e resistente, que vem sendo bastante utilizada em diversas regiões do mundo, especialmente na área da engenharia e ciência dos materiais. China e Estados Unidos são os maiores consumidores de sua madeira.
O primeiro passo dos pesquisadores foi o de tentar criar um procedimento mais eficiente e sustentável na separação do ouro dos demais sedimentos, usando, inicialmente, o extrato bruto do pau-de-balsa. O extrato é feito umedecendo com água uma folha média e a espremendo manualmente.
A participação dos garimpeiros foi fundamental nessa fase do estudo. Não apenas eles obtiveram o concentrado de sedimentos para análise, como a presença de um dos garimpeiros nos testes experimentais no laboratório foi imprescindível: “o olhar para identificar “fagulhas” de ouro e o sincronismo no balançar da “cuia” e “batéia” são expertises deles, e se unem ao conhecimento científico numa construção coletiva de saberes”, dizem os cientistas.
E os primeiros experimentos em laboratório estão sendo animadores. Ao testarmos o extrato bruto da folha da Ochroma pyramidale, conseguimos a aglutinação do ouro, que se separou dos demais sedimentos presentes. No processo convencional, utiliza-se o mercúrio metálico (Hg0), que se une ao ouro (amalgamação), num processo denominado de concentração gravimpetrica (quando partículas de diferentes densidades, tamanhos e formas são separadas uma das outras por ação da força de gravidade ou por forças centrífugas).
Conforme os estudos feitos até o momento, o ouro do rio Madeira é um ouro muito fino, são “fagulhas” difíceis de serem separadas dos demais sedimentos e resíduos obtidos no processo de concentração gravimétrica. Já a levigação (método que utiliza líquidos para promover a separação de misturas heterogêneas entre sólidos) conseguida com o extrato do Pau de Balsa é eficiente na separação dessas “fagulhas”, com a grande vantagem de ser feita sem nenhuma substância tóxica a ser lançada no meio ambiente.
Crise aberta com Operação Boiúna
Entre 15 e 26 de setembro a Polícia Federal realizou a Operação Boiúna, que destruiu 277 dragas de garimpo ilegal e deu um prejuízo financeiro de R$ 1,08 bilhão aos garimpeiros que atuam no rio Madeira, nos municípios de Humaitá e Manicoré.
A ação, considerada “espetaculosa”, foi repudiada por toda a bancada do Amazonas e abriu uma crise com o governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), que foi responsabilizado pela destruição de flutuantes localizados em frente a sede dos dois municípios, o que assustou a população e interferiu, em Manicoré, na procissão em honra da padroeira do município, Nossa Senhora das Dores.
O senador Plínio Valério (PSDB) foi a Humaitá e Manicoré na companhia da presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que prometeu fazer um relatório mostrando que a operação violou uma série de direitos dos habitantes e até cometeu intolerância religiosa por ter atrapalhado uma procissão dos fiéis manicoreenses.
Aliados do governo Lula, os senadores Omar Aziz (PSD) e Eduardo Braga (MDB), além de criticarem a operação e a forma como ela foi conduzida, anunciaram uma retaliação na mesma moeda, pois vão trabalhar para impedir o processo de concessão da Hidrovia do rio Madeira, um projeto da Agência Nacional de Transporte Aquaviário (Antaq) que é bem-visto pelo Governo Federal.
