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MPF denuncia empresas e ONG que exploram riquezas dos indígenas do Vale do Javari

Contrato firmado pela ong Univaja dá direito a três empresas, duas estrangeiras, a explorarem riquezas naturais da Terra Indígena Vale do Javari
MPF denuncia empresas e ONG que exploram riquezas dos indígenas do Vale do Javari

Lanchas da Funai e Polícia Federal em aldeia no Vale do Javarii

Uma empresa brasileira, uma espanhola e outra argentina ganharam, em 2022, o direito de comercializar Soluções Baseadas na Natureza (SBN) encontradas na Terra Indígena Vale do Javari, na região do Alto Solimões. O contrato, que pode render milhões às empresas, foi assinado pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) sem qualquer supervisão e fiscalização da Fundação Nacional dos Indígenas (Funai) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Por conta disso, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública pedindo a anulação do contrato, uma vez que ao contrário do que diz a Constituição a Univaja se autodeclara proprietária de todo o território da TI Vale do Javari, a segunda maior reserva indígena do país e onde vivem a maioria dos povos originários isolados. As empresas envolvidas são a brasileira Comtaxae, a espanhola Biotapass e a argentina Biota, que ganham por força deste contrato o direito exclusivo de registrar, certificar e comercializar as SBNs encontradas dentro da TI.

Além da suspensão urgente e imediata do contrato e da paralisação das atividades, o MPF pede, ao final da ação, a declaração da nulidade do contrato e a condenação da Univaja e das empresas ao pagamento de R$ 10 milhões por danos morais coletivos.


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O que são Soluções Baseadas na Natureza (SBNs)

De acordo com a ação civil pública do MPF, a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) define as Soluções baseadas na Natureza (SbN) como “ações para proteger, gerir sustentavelmente, e restaurar ecosssistemas naturais ou modificados, que abordam os desafios sociais de forma eficaz e adaptativa, proporcionando simultaneamente benefícios para o bem-estar humano e biodiversidade”. Os relevantes desafios sociais incluem mudanças climáticas, segurança alimentar, redução de riscos de desastre e segurança hídrica.

A definição da Comissão Europeia para SbN declara que são “soluções inspiradas e sustentadas pela natureza, que são economicamente viáveis, proporcionam benefícios simultaneamente ambientais, sociais e econômicos e ajudam a aumentar a resiliência; estas soluções trazem um número maior e mais diversificado de características e processos naturais e da natureza às cidades, paisagens terrestres e marinhas, através de intervenções adaptadas aos locais, eficientes em termos de recursos e sistêmicas”.

O que diz a Funai?

A Funai confirmou ao MPF que as empresas citadas na ação civil pública não tinham autorização para entrada na terra indígena. Após análise técnica do contrato firmado pela Univaja com as empresas, a Funai identificou fortes indícios de violações aos direitos indígenas e diversas irregularidades e ilegalidades, incluindo:

  • Violação ao regime jurídico das terras indígenas: “o contrato se refere à Univaja como ‘proprietária’ do Vale do Javari, quando as terras indígenas são bens da União de usufruto exclusivo dos povos indígenas;
  • Ausência de autorização da Funai: “as empresas ingressaram na terra indígena sem autorização e a Coordenação Regional do Vale do Javari (CR-VJ) não foi consultada nem participou da celebração do contrato. A entrada de terceiros e a negociação de contratos de exploração de recursos necessitam de autorização expressa da Funai”;
  • Violação à Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI): “há dúvidas se os indígenas foram plenamente esclarecidos sobre termos técnicos e as implicações do acordo, sendo que a CLPI deve ser um processo contínuo e abrangente, realizado com toda a comunidade”.
  • Limitações indevidas aos usos tradicionais: “embora o contrato mencione a preservação do território, ele simultaneamente limita as condições de subsistência dos povos indígenas, como caça, pesca e extração de madeira, enquanto garante às empresas o direito de fazer um levantamento detalhado de toda a área;
  • Risco a povos indígenas isolados: “a abrangência do contrato sobre a totalidade da Terra Indígena Vale do Javari, que possui o maior registro de povos em isolamento voluntário no Brasil, levanta sérias preocupações sobre o risco de contato e consequências devastadoras”.
  • Prazo do contrato: “o prazo de dez anos de vigência do contrato contraria as recomendações de prazos menores e a limitação de contratos de prestação de serviços a quatro anos, conforme o Código Civil”.

 

Ao avaliar o relatório da Funai, o MPF concluiu que o contrato, de modo geral, possui cláusulas amplas que concedem poderes irrestritos para as empresas formularem e comercializarem projetos sem qualquer participação das comunidades indígenas que habitam a terra indígena, o que demonstra a desproporcionalidade do pacto celebrado.

 

A TI Vale do Javari em números:

  • Sete povos vivem na TI e mantém contato com a sociedade;
  • 16 grupos indígenas vivem em isolamento voluntário, sendo os Korubos, os índios caceteiros, os mais conhecidos;
  • 74 aldeias
  • 6 mil indígenas de sete povos com contato;
  • 8 organizações de base, todas reunidas na Univaja; Organização Geral dos Mayuruna (OGM), Associação Kanamary do Vale do Javari (Akavaja), Associação de Desenvolvimento Comunitário do Alto Rio Curuçá (Asdec), Organização das Aldeias Marubo do Rio Ituí (Oami), Associação Indígena Matis (Aima), Cooperativa de Preservação Etnoambiental Autônoma dos Kanamari da Aldeia São Luís (Copeaka), Associação Ibá Kulina do Vale do Javari (Aikuvaja) e Associação Marubo de São Sebastião (Amas)
  • 8,5 milhões de hectares de floresta protegida

A Onda Digital tentou contato com a diretoria da Univaja para obter um posicionamento sobre o contrato, mas até esta publicação a assessoria de imprensa não respondeu. O espaço segue aberto.