As empresas brasileiras enfrentam dificuldades financeiras e aprofundam suas dívidas com resultados fracos, em meio a taxas de juros ainda altas praticadas pelo Banco Central (BC).
Segundo estudo de Cemec-Fipe, os números de inadimplência aceleraram desde 2022 e as recuperações judiciais (RJ’s) aumentaram 103% em novembro de 2023, comparado ao mesmo período de dois anos atrás.
Na base anual, o número de RJ’s saltou 68,7% em 2023, atingindo 1,4 mil solicitações, de acordo com informação divulgada pela Serasa Experian, com algumas grandes empresas, como Americanas, Light e Oi, nessa situação.
Especialistas ouvidos pela CNN apontam que, nessa medida, a expectativa para o setor de negócios no Brasil ainda é muito incerto, desafiador e sem sinal de alívio.
Leia Mais:
Ato de Jair Bolsonaro reuniu 750 mil na Avenida Paulista, diz SSP
Preço da dívida no Brasil
Esse cenário tem como origem, principalmente, o endividamento adotado em 2020 e 2021, quando a Selic — a taxa básica de juros — ainda apresentava números muito baixos, de 1,90% e 9,15% ao final de cada ano, respectivamente, aponta o levantamento.
Carlos Alberto di Agustini, pesquisador da Strong Business School e PhD em economia pela Universidade da Califórnia, explica que o processo de contrair capital de terceiro, ou seja, uma dívida, é muito mais barato e frequentemente utilizado pelas companhias para obtenção de recursos.
A medida, diz, é bastante usada no exterior, mas no Brasil se torna uma armadilha diante do tamanho dos juros aplicados no país.
“A questão não é só o caixa que não consegue pagar a dívida”, afirma o pesquisador.
Especialistas ouvidos pela reportagem destacam que as taxas praticadas no Brasil está entre uma das mais altas do mundo.
Hoje, mesmo após constantes cortes de 0,5 ponto percentual, a Selic se encontra em 11,25% ao ano. Os números refletem uma política monetária restritiva adotada pelo BC, seguido de um Orçamento Federal em 2023 com mais da metade para juros e amortizações da dívida, segundo peça orçamentária enviada ao Congresso.
Além do peso das taxas, Agustini ressalta que muitas empresas entraram com dívidas mais exageradas para sobreviver a pandemia do da Covid-19, período marcado pelo fechamento massivo de negócios.
Os números são evidentes ao se comparar o crescimento do endividamento no mercado doméstico, de 31,3% para 36,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em setembro de 2023, em oposição às dívidas do mercado internacional, em queda de 18,9% para 17,5% no mesmo período.
“Então é muito difícil você exigir da operação um retorno, uma lucratividade, um ganho, que pudesse suportar essa taxa de juro”, analisa o especialista.
Agustini acrescenta que uma das saídas seria repassar o valor aos consumidores, mas, com o preço alto, muitos brasileiros não conseguiriam arcar.
O levantamento da Cemec-Fipe exclui a Petrobras, Eletrobras e Vale para evitar a distorção dos números devido ao tamanho das companhias.
Atritos globais acirram situação
André Aroldo Freitas de Moura, professor da FGV e consultor de Valuation, cita que, além da pandemia, essa situação começou com os efeitos da guerra e os ataques dos Houthis do Iêmen contra navios do Mar Vermelho, provocando uma quebra da cadeia de suprimentos global.
Ele diz que “esse fenômeno não é isolado no Brasil”, mesmo que a economia ande com melhores pernas no país norte-americano. Inclusive, o professor realizou uma pesquisa nos EUA, a qual mapeou uma prática comum entre as empresas dos EUA.
Elas, ao preverem uma possível situação preocupante de dívidas, começam a contrair mais valores a dever “mais ou menos quatro anos antes, assim aumentam o endividamento para pedir o chapter 11 (reestruturação de contas se mantendo em operação) e conseguir benesses do processo judicial”.
Operação financeira leve e despesas pesadas
Um dos setores mais atingidos foi o primário, onde a taxa média de recuperações judiciais foi de 4,5 para 15,5 entre outubro e novembro de 2022, comparando com o mesmo período do ano passado.
Já no de serviços, o aumento foi de 182%, considerando que o volume de empresas do setor é um dos mais volumosos e no qual as empresas mais sofreram na pandemia.
O cenário também impacta em maior proporção as Micro e Pequenas Empresas (MPEs), com 125 pedidos de RJ em média no bimestre, segundo Cemec-Fipe.
O pesquisador da Strong explica que, além das empresas não conseguirem gerar retorno para pagar os juros, ou seja, “não há cobertura dessas despesas pela geração operacional”, existe uma carga tributária elevada no Brasil, baixa competitividade e pouca produtividade.
Isso pode ser visto pelo chamado “índice de cobertura de despesas”, indicador que mede quanto a empresa consegue de caixa para pagamento de taxas antes de cobertura de juros e, o qual parou de cair, mas ficou estagnado por 12 meses até o segundo e o terceiro trimestres de 2023, indicou o estudo.
Corroborando com a situação, registrou-se uma queda do lucro nas empresas abertas nos últimos dois anos. A isso, soma-se uma mudança nos preços da razão entre o salário médio e a produtividade, o custo unitário do trabalho (CUT)
O professor da FGV ainda ressalta que a indústria nacional sofre com um preço maior dos insumos e, portanto, não consegue ser tão competitiva — o que acaba afetando os negócios, mas também os consumidores.
Captação de recursos e custos de financiamentos
Outro ponto de dificuldade enfrentado pelos negócios brasileiros é a captação financeira. Os dados da Cemec-Fipe mostram que ocorreu uma queda acentuada do valor de levantamento de recursos, muito impactado pela crise das Lojas Americanas e outras grandes empresas.
Em abril e maio de 2023, as restrições de oferta de crédito privado aumentaram, chegando ao patamar de apenas 1,7%, em comparação com 7% em igual período de 2022. No entanto, o índice mostrou recuperação a partir de agosto.
Segundo os especialistas, alguns caminhos podem ser seguidos pelas empresas para se reerguerem, como fusões, aquisições, empréstimos externos e follow-on.
Porém, diversas empresas, principalmente as de menor porte, não conseguem esperar três ou quatro meses pelo crédito, por exemplo, e assim não conseguem honrar suas dívidas, explica Marco Aurélio Neves, sócio da Grant Thornton Brasil.
Muitas também não conseguem ter acesso a diversas modalidades de fundos e recursos, como o fazem grandes empresas, pontuou Agustini.
Expectativa dos negócios em 2024
A expectativa da reforma tributária e a constante redução da taxa Selic podem trazer um alívio para o cenário das empresas brasileiras, mas os especialistas analisam que o futuro ainda é muito incerto.
O estudo diz haver sinais de recuperação do setor, em meio a um movimento de deflação e uma evolução da cobertura das despesas financeiras.
Para o pesquisador da Strong Business School, “os sinais que nós temos não são de alívio, porque se você pegar hoje o quanto do orçamento da União e quando tá comprometido com a dívida da União hoje, está beirando praticamente os 50%”.
O professor da FGV caracteriza o futuro próximo para os negócios como desafiador, em meio a juros reais de 6%, que podem cair a 5%, mas ainda assim “não é um cenário ideal”, diz.
Já para Marco Aurélio Neves, a “expectativa dos próximos dois anos, principalmente com a reforma tributária, é de um cenário mais de alívio ou talvez ainda mais desafiador do que a gente vê agora”.
Em dezembro de 2023, a reforma tributária foi aprovada, mas segue com algumas modificações e ajustes para regulamentação.
Ele ainda espera que a taxa de juros, que vem caindo, chegue em torno de 9% em 2025, e “isso é uma excelente notícia para as companhias que passaram por esse período e tem uma condição mais saudável. Elas tendem agora a recuperar esse mercado e recuperar sua situação”, conclui.
*com informações CNN Brasil