Ninguém tem o direito de fazer acusações contra o Irã pelo ataque de sexta-feira (12) ao escritor Salman Rushdie. A afirmação foi feita, nesta segunda-feira (15), pelo Ministério iraniano das Relações Exteriores, que considera o próprio escritor culpado, por denegrir os muçulmanos do mundo.
O romancista, que viveu durante décadas sob ameaça de morte, desde que enfureceu as autoridades iranianas ao publicar um livro, Os Versos Satânicos, está se recuperando em um hospital após ter sido esfaqueado durante aparição pública no estado de Nova York.
Na primeira reação oficial do Irã ao ataque de sexta-feira, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Nasser Kanaani, disse que a liberdade de expressão não justifica os insultos de Rushdie contra a religião. Seu romance de 1988 Os Versos Satânicos é visto por alguns muçulmanos como blasfêmia.
“Durante o ataque a Salman Rushdie, não consideramos ninguém, além dele e de seus apoiadores, digno de reprovação e condenação”, disse Kanaani em entrevista. “Ninguém tem o direito de acusar o Irã a esse respeito”.
Escritores e políticos de todo o mundo condenaram o ataque. O agente do romancista disse à Reuters que Rushdie sofreu ferimentos graves, incluindo lesões nervosas no braço e ferimentos no fígado, e é provável que perca a visão de um olho.
O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, afirmou ontem que as instituições estatais iranianas incitaram a violência contra Rushdie por gerações, e a mídia estatal iraniana exaltou o atentado contra a vida dele.
Nascido na Índia, o escritor tem recompensa por sua morte desde que o livro Os Versos Satânicos foi publicado em 1988. No ano seguinte, o então líder supremo do Irã, aiatolá Ruhollah Khomeini, emitiu uma fatwa, ou édito (pronunciamento de especialista em lei religiosa ligado à religiao islâmica) pedindo aos muçulmanos que matassem o romancista e qualquer pessoa envolvida na publicação do livro.
Em 1991, o tradutor japonês do romance, Hitoshi Igarashi, foi esfaqueado até a morte. Um antigo aluno de Igarashi renovou, nesta segunda-feira, os apelos para que seu assassinato seja resolvido, de acordo com o jornal Ibaraki Shimbun.
O tradutor italiano do romance foi ferido em 1991 e, dois anos mais tarde, a editora norueguesa da obra foi baleada e gravemente ferida.
Em 1998, o governo iraniano pró-reformas do presidente Mohammad Khatami se distanciou da fatwa, dizendo que a ameaça contra Rushdie – que vivia escondido há anos – tinha acabado.
Em 2019, o Twitter suspendeu a conta do líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, por um tuíte que dizia que a fatwa era “irrevogável”.
Rushdie, de 75 anos, tem vivido de forma relativamente aberta nos últimos anos.
Ele estava prestes a dar uma palestra no Instituto Chautauqua, no oeste do estado de Nova Iorque, sobre a importância dos Estados Unidos para artistas perseguidos, quando um homem de 24 anos subiu no palco e o esfaqueou, segundo a polícia.
Kanaani, do ministério iraniano, disse que Rushdie tinha “se exposto ao ultraje popular, insultando as santidades islâmicas e cruzando as linhas vermelhas de 1,5 bilhão de muçulmanos”.
Kanaani disse que o Irã não tinha outras informações sobre o suspeito de agressão ao romancista, exceto o que havia aparecido na mídia.
O suspeito, Hadi Matar, de Fairview, em Nova Jersey, declarou-se inocente de tentativa de assassinato e agressão em uma aparição no tribunal no sábado, disse à Reuters o advogado nomeado pelo tribunal para defendê-lo, Nathaniel Barone.
Uma revisão das contas de Matar nas redes sociais mostrou que ele era simpático ao extremismo xiita e à Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, de acordo com a NBC New York. Os EUA acusam a Guarda Revolucionária de realizar campanha extremista global.