Pesquisadores desenvolvem biossensor para detectar depressão e esquizofrenia pela saliva

(Foto: Reprodução)
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Embrapa Instrumentação, anunciaram o desenvolvimento de um biossensor portátil e de baixo custo capaz de identificar rapidamente uma proteína associada a transtornos psiquiátricos, como depressão, esquizofrenia e bipolaridade. A inovação, publicada recentemente na revista científica ACS Polymers Au, pode representar um marco na detecção precoce dessas doenças, considerada essencial para o tratamento e monitoramento clínico.
O dispositivo é composto por uma tira flexível com eletrodos, integrada a um analisador portátil. Sua aplicação é simples: a partir de pequenas gotas de saliva humana, o biossensor fornece, em menos de três minutos, a concentração de BDNF (Brain-Derived Neurotrophic Factor), proteína fundamental para o crescimento e a manutenção dos neurônios, além de desempenhar papel crucial em funções cognitivas como memória e aprendizagem.
Segundo os pesquisadores, o biossensor conseguiu medir concentrações extremamente baixas da proteína, variando de 10⁻²⁰ a 10⁻¹⁰ gramas por mililitro, até os níveis mínimos detectáveis de 1,0 × 10⁻²⁰ g/mL. Esses resultados indicam alta sensibilidade e precisão, características fundamentais para a aplicação clínica.
Outro destaque é o baixo custo de produção: cada unidade tem valor estimado em US$ 2,19 (cerca de R$ 12,00 no câmbio atual). Além disso, apresenta capacidade de armazenamento de longo prazo, o que facilita sua futura distribuição em larga escala. A equipe já se prepara para dar início ao processo de patenteamento.
“Existem poucos sensores que fazem esse tipo de análise, e o nosso apresentou desempenho superior. Ele detectou uma ampla faixa de concentração, resultado de grande relevância clínica. Níveis baixos de BDNF podem servir como alerta para transtornos psiquiátricos, enquanto níveis elevados ajudam a acompanhar a resposta do paciente ao tratamento”, explicou Paulo Augusto Raymundo Pereira, pesquisador do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP) e autor correspondente do artigo, em entrevista à Agência Fapesp.
Pereira, especialista em química e biotecnologia, tem se dedicado ao desenvolvimento de sensores flexíveis e biossensores eletroquímicos. Em 2024, ele participou de um estudo publicado no Chemical Engineering Journal, no qual apresentou um sensor portátil para autoteste de urina destinado à detecção de marcadores de doenças como gota e Parkinson.
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Relação com transtornos psiquiátricos
A ciência já comprovou que níveis baixos de BDNF estão ligados a distúrbios neurológicos e psiquiátricos associados ao declínio cognitivo, como a depressão. A literatura indica que indivíduos saudáveis apresentam níveis acima de 20 nanogramas por mililitro (ng/mL), enquanto pessoas com transtorno depressivo maior (TDM) podem registrar valores inferiores a 12 ng/mL. Além disso, a restauração dessa proteína no organismo está diretamente relacionada ao uso de antidepressivos.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) reforçam a urgência de ferramentas inovadoras para diagnóstico: mais de 1 bilhão de pessoas vivem atualmente com transtornos mentais, sendo a ansiedade e a depressão as condições mais comuns. O Atlas da Saúde Mental 2024 aponta crescimento constante da prevalência dessas doenças em diferentes países, sem distinção de idade ou condição social.
No Brasil, a situação também preocupa. Entre 2022 e 2024, os afastamentos de trabalhadores por problemas de saúde mental aumentaram 134%, saltando de 201 mil para 472 mil casos. As principais causas foram episódios depressivos, ansiedade e depressão recorrente, de acordo com dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho.
“O aumento dos casos de transtornos mentais e a consequente elevação do uso de medicamentos, especialmente após a pandemia de Covid-19, nos motivaram a buscar soluções alternativas”, disse.
Estrutura do dispositivo
O biossensor foi desenvolvido a partir de uma tira serigrafada em um suporte de filme de poliéster, contendo três eletrodos: um de trabalho funcionalizado, um auxiliar de carbono puro e um de referência de prata.
O eletrodo de trabalho recebeu modificações importantes: foi revestido com nanoesferas de carbono e recebeu uma camada de polietilenoimina e glutaraldeído, compostos que aumentam a sensibilidade e funcionam como matriz para imobilização do anticorpo específico de BDNF (anti-BDNF). Para evitar interações indesejadas, foi aplicada uma camada adicional de etanolamina.
A detecção da proteína ocorre por meio da formação de imunocomplexos anticorpo-antígeno, que aumentam a resistência à transferência eletrônica na superfície sensora. Essa mudança é captada por uma técnica chamada espectroscopia de impedância eletroquímica, amplamente utilizada em estudos de processos que acontecem na interface entre eletrodos e soluções.
Os resultados podem ser transmitidos em tempo real para smartphones por meio de conexão sem fio via bluetooth, o que aumenta a praticidade e a aplicabilidade em contextos clínicos e até domiciliares.
Vantagens sobre métodos atuais
Atualmente, a análise de níveis de BDNF é realizada por técnicas como ensaio imunoenzimático, eletroquimioluminescência, fluorescência e cromatografia líquida de alta eficiência. Esses métodos, porém, demandam mais tempo, grande quantidade de amostra e laboratórios especializados, o que limita sua acessibilidade.
O novo biossensor promete superar essas barreiras, oferecendo rapidez, precisão e baixo custo, fatores que o tornam altamente competitivo no mercado internacional de dispositivos médicos.
Apoio
O projeto contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), dentro do Projeto Temático “Rumo à convergência de tecnologias: de sensores e biossensores à visualização de informação e aprendizado de máquina para análise de dados em diagnóstico clínico”. Outros dois projetos da instituição também colaboraram para a iniciativa.
Além de Pereira, participaram do estudo os pesquisadores Nathalia Gomes, Marcelo Luiz Calegaro, Luiz Henrique Capparelli Mattoso, Sergio Antonio Spinola Machado e Osvaldo de Oliveira Junior.
Para os cientistas, este é apenas o começo.
“Estamos caminhando para uma medicina personalizada, em que cada tratamento será adaptado às necessidades individuais. O biossensor pode ser otimizado para diferentes perfis, ampliando ainda mais sua contribuição na saúde mental”, concluiu Pereira.
