Em 2024, duas equipes de cientistas publicaram descobertas sobre um dos maiores mistérios da genética felina: a origem da coloração dos gatos laranjas. Embora possa parecer apenas uma curiosidade do mundo animal, o estudo revelou uma complexa relação entre genética, sexo biológico e mutações raras que afetam diretamente a expressão de genes.
O trabalho foi divulgado em dois artigos publicados na prestigiada revista científica Current Biology e envolveu pesquisadores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.
A principal revelação foi a identificação da mutação genética responsável pela pelagem dos gatos laranjas, algo que intriga a comunidade científica há mais de um século. Segundo os autores, essa coloração vibrante não é causada por um gene comum, mas pela ausência de um pequeno trecho de DNA em uma região do genoma que normalmente não codifica proteínas, mas que exerce papel crucial na ativação do gene Arhgap36.

Entenda o mistério por trás dos gatos laranjas
A maioria dos gatos laranjas é do sexo masculino, o que sempre levantou questões sobre o que exatamente provocava essa distribuição desigual. Fêmeas laranjas existem, mas são muito mais raras e geralmente apresentam pelagem com manchas de outras cores, como preto e branco. Essa distribuição peculiar levantou a hipótese de que a coloração poderia estar relacionada ao cromossomo X, que determina o sexo biológico nos mamíferos — sendo XX nas fêmeas e XY nos machos.
Segundo Christopher Kaelin, principal autor de um dos estudos, a coloração laranja é uma exceção genética que despertou o interesse científico por mais de 100 anos.
“Foi justamente esse enigma genético comparativo que motivou nosso interesse na coloração laranja ligada ao sexo”, afirmou o pesquisador em comunicado oficial.
Diferente de outros mamíferos com coloração alaranjada — como tigres, orangotangos e algumas raças de cães —, nos quais a cor não está relacionada ao sexo, nos gatos, o laranja é um fenômeno sexualmente ligado. A equipe de Stanford explica que a característica é exclusiva do cromossomo X. Isso faz com que, nos machos, que têm apenas um cromossomo X, a mutação seja facilmente expressa se o gene modificado estiver presente.

Ou seja, basta que o cromossomo X carregue a mutação para que o gato macho seja completamente laranja. Já nas fêmeas, que têm dois cromossomos X, é necessário que ambos apresentem a mutação para que a coloração seja uniforme. Caso apenas um dos cromossomos contenha a alteração, a pelagem será mista — alaranjada com manchas pretas e/ou brancas — como ocorre com frequência nas chamadas “calico” ou “tortie”.
Essa diferença explica por que os machos laranjas são mais comuns do que as fêmeas completamente laranjas.
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Sequenciamento genético
A investigação científica foi baseada na análise de bancos de dados genéticos, amostras de DNA de gatos de diferentes cores e o sequenciamento genético completo dos animais. A equipe identificou três variações no cromossomo X que pareciam fortemente associadas à pelagem alaranjada. Contudo, após análises mais detalhadas, os cientistas concluíram que não se tratava de um gene novo, mas sim da ausência de um pequeno trecho de DNA próximo ao gene Arhgap36 (Rho GTPase-activating protein 36).
Esse pequeno trecho, ao ser deletado, ativa o gene Arhgap36 nas células pigmentares, especificamente nas que produzem o pigmento laranja.
“O Arhgap36 não é expresso em células pigmentares de camundongos, em células pigmentares humanas ou em células pigmentares de gatos não alaranjados. A mutação em gatos alaranjados parece ativar a expressão de Arhgap36 em um tipo de célula, a célula pigmentar, onde normalmente não é expressa”, explica Kaelin.
Gene antes associado a tumores agora está ligado à pigmentação
Antes dessa descoberta, o gene Arhgap36 era conhecido por estar relacionado a tecidos neuroendócrinos e ao desenvolvimento de tumores, sendo estudado principalmente em pesquisas sobre câncer e biologia do desenvolvimento. Nunca havia sido associado a processos de pigmentação ou à formação de cor nos pelos dos animais.
A descoberta surpreendeu os cientistas justamente por demonstrar um caso raro de ativação gênica fora do esperado, reforçando a importância de regiões do DNA que, mesmo sem codificar proteínas, podem exercer funções regulatórias cruciais para a expressão de genes.

A evolução dos gatos domésticos
Além do avanço no conhecimento genético, a pesquisa também oferece pistas sobre o processo de domesticação dos gatos. Embora os pesquisadores ainda não saibam com exatidão quando e como surgiu essa mutação, acredita-se que ela tenha aparecido no início da domesticação dos gatos, há milhares de anos, quando os humanos passaram a selecionar animais com certas características visuais, como a cor da pelagem.
“Obras de arte do século XII já retratavam gatos laranjas, sugerindo que essa coloração era valorizada e possivelmente incentivada na reprodução”, explicou Kaelin.
A seleção artificial, promovida pelos humanos, pode ter contribuído para a propagação da mutação genética ao longo das gerações.
*Com informações de CNN