Pais relatam sensação de desamparo e descaso em hospitais de Manaus

Foto: Pixabay
A relação entre pais e profissionais de saúde durante atendimentos em hospitais de Manaus tem gerado debates, especialmente após a morte de Benício Xavier, de 6 anos, no dia 23 de novembro, no Hospital Santa Júlia.
Após a repercussão do caso, diversos relatos de pais e responsáveis passaram a circular nas redes sociais, evidenciando um sentimento comum de desamparo durante atendimentos de saúde. Embora não exista um levantamento oficial recente sobre o tema, muitas famílias afirmam enfrentar resistência, descaso ou falta de explicações ao tentar participar das decisões sobre o cuidado de seus filhos.
Caso Benício

Levado ao hospital com suspeita de laringite, o menino recebeu uma dose de adrenalina aplicada diretamente na veia e em quantidade superior à indicada, segundo a polícia. Após a aplicação, o quadro de saúde se agravou e a criança sofreu seis paradas cardíacas antes de morrer.
No caso de Benício, a mãe, Joyce Xavier, relatou que questionou a técnica de enfermagem Raiza Bentes sobre a aplicação de adrenalina por via intravenosa. Joyce afirmou ter informado à profissional que o filho só havia recebido o medicamento por nebulização em atendimentos anteriores. Ainda assim, segundo o relato da mãe, Raiza disse que nunca havia administrado adrenalina diretamente na veia, mas que realizaria o procedimento porque a médica Juliana Brasil havia prescrito dessa forma.
A médica Juliana Brasil e a técnica de enfermagem Raiza Bentes tiveram as prisões preventivas negadas pela Justiça do Amazonas. No entanto, o juiz Fábio Olintho de Souza determinou medidas cautelares, entre elas, não se ausentar da Região Metropolitana de Manaus, comparecer mensalmente em juízo para justificar suas atividades, suspensão do registro profissional por 1 ano, entre outras.
Leia mais
Dono do Hospital Santa Júlia manda recado à família de Benício: ‘Sofro junto’
Donos do Hospital Santa Júlia prestam depoimento sobre morte de Benício
Caso Benício: Justiça volta a negar pedido de prisão de médica
A dor da perda e o descaso com a saúde

O que deveria ser um momento de cuidado e proteção se transformou em uma experiência marcada por negligência, abandono e dor. A jornalista Lara Tavares conta que estava grávida de 28 semanas, em 2015, quando começou a sentir dores intensas e procurou atendimento em uma maternidade pública de Manaus. Ela já apresentava dois centímetros de dilatação quando foi transferida para um hospital particular da rede conveniada. A transferência, no entanto, não significou acesso a um atendimento adequado.
“Ao chegar ao hospital, fui atendida por uma médica que claramente não sabia o que fazer comigo. Ela me avaliou de forma superficial e simplesmente me mandou para a sala de medicação. Quando cheguei lá, percebi que os equipamentos mal funcionavam. Eu gritava de dor, implorava por ajuda, e nada acontecia. A médica apenas entrava, me olhava e saía. As enfermeiras zombavam de mim, diziam que não era hora de eu ter o bebê, como se minha dor não fosse real. Fui negligenciada, abandonada, deixada sozinha em uma sala”, detalhou.
Sem forças e sem qualquer suporte médico, Lara deu à luz às 7h da manhã, ainda dentro da sala de medicação. A bebê nasceu com apenas seis meses de gestação.
No dia seguinte, mesmo apresentando febre, Lara recebeu alta hospitalar. Posteriormente, foi diagnosticada com infecção puerperal. O impacto da negligência, no entanto, foi ainda mais profundo. Segundo ela, sua filha foi deixada sem o tratamento adequado na UTI neonatal e morreu na unidade de saúde.
“O laudo da perícia aponta que minha filha sequer foi tratada. Nem a infecção que ela contraiu no hospital foi combatida”, afirma. A mesma infecção quase tirou a vida da jornalista.

Ela também relata que nenhum procedimento foi explicado. “Fui deixada sozinha, sangrando. Só depois do parto um médico apareceu e, friamente, mandou que eu me levantasse para tomar banho.”
O caso se arrasta na Justiça há oito anos. Após o parto, Lara desenvolveu uma infecção grave e ficou internada por três meses no Instituto da Mulher. Ela afirma que as marcas permanecem após perder um filho.
Ao final, Lara deixa um recado a outros pais que enfrentam situações semelhantes: “Não se calem. Denunciem. Gritem. A vida de um filho nunca volta, e a nossa também nunca será a mesma após uma perda como essa.”
Número de médicos cresce, aponta estudo do CRM-AM
Os relatos de pais e mães sobre desamparo em hospitais de Manaus contrastam com os dados oficiais sobre o número de médicos no país e no estado.
Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), durante a divulgação da Demografia Médica no Brasil em outubro de 2024, a densidade médica nacional passou de 1,60 médico por mil habitantes em 2010 para 3,07 em 2024, acima da média recomendada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
No Amazonas, o número de médicos cresceu mais de 70% em 14 anos, passando de 3.734 para 6.503 profissionais, com densidade subindo de 0,97 para 1,62 médico por mil habitantes. A maior parte dos médicos está concentrada em Manaus, onde atuam 94% dos profissionais, enquanto o interior do estado mantém acesso limitado à assistência.
O levantamento indica ainda que mais da metade dos médicos do Amazonas não possui Registro de Qualificação de Especialidade (RQE). Entre os especialistas registrados, o Conselho Regional de Medicina do Amazonas (CRM-AM) aponta a presença de 727 pediatras no estado.
Confira os dados ‘médico/territorial’ no link https://cremam.org.br/






